indie lusitano #12: Lefty
Rock de garagem feito pra dançar.
Lefty é o termo usado para nos referirmos às pessoas canhotas. Houve um tempo em que ser canhoto não era visto com bons olhos e muitos foram obrigados a aprender a escrever com a mão direita. Ao formar um novo projeto, o músico português João Nobre lembrou da história da mãe, Maria da Luz. Canhota por natureza, ela foi uma dessas crianças que se tornou destra por obrigação, ambidestra por teimosia. Um tom inconformista que combina com o rock que a banda Lefty, da qual Nobre faz parte, traz no seu primeiro disco. Além da homenagem prometida por ele à mãe.
Os Lefty são Leonor Andrade, João Nobre (baixo), Pablo Banazol (guitarra) e Dani (bateria). Cada um estava seguindo seu caminho até que Leonor e Nobre decidiram tocar juntos sem compromisso. Pouco antes da pandemia acontecer, o que era uma dupla já era um quarteto. Já era um caminho sem volta.
Foi uma coisa que se calhar sem grandes expectativas, sem grandes objetivos, enfim, sem um objetivo a atingir. Foi mesmo só trocar experiências, partilhar ideias e ver o que é que se poderia fazer. Só que o resultado foi tão bom, a empatia foi gigante que começamos a trabalhar muito, a produzir e quando demos por elas já tínhamos muita coisa feita, muitas músicas compostas. Foi obrigatório formarmos uma banda depois do trabalho que tínhamos feito - Leonor Andrade e João Nobre
O encontro resultou no disco Andrómeda, com 10 faixas e pouco mais de meia hora de duração. É rock-punk-new wave e pop. Os singles escolhidos para promover o disco foram Sede e Fiança. Cais e Quarto 25 também mostram bem qual é a cara do Lefty.
A pandemia nos obrigou a trabalhar ainda mais e até de forma terapêutica porque ajudou-nos a atravessar essa coisa horrível, em especial para a cultura, e para todos, não somos diferentes. Mas em termos criativos, pode parecer contraditórios, nos obrigou a estar focados e a trabalhar. Mas evitou-nos entrar em uma espiral negativa - João Nobre
A voz rouca de Leonor é outro destaque da banda, e aqui, encontra seu lugar. Ela assina todas as composições. Direta nas letras, ela aborda assuntos do cotidiano, fala sobre igualdade de gênero e outros temas a partir da perspectiva feminina. Estão ali suas histórias sobre amor, sexo, afetos e dias de esperas em um de seus locais preferidos em Lisboa, o Cais do Sodré.
As letras refletem essa necessidade enorme de afirmação feminista. Ou seja, talvez as letras sejam um bocadinho sexuais, cruas, um bocado duras e não é tão esperado cá de uma mulher dizer com tranquilidade ou é um bocado estranho. E ainda bem que o é porque nós temos que passar por uma estranheza até se passar para algo natural. Nós somos mulheres e sentimos exatamente a mesma coisa que os homens sentem. Temos as mesmas raivas, os mesmos sentimentos e temos que falar disso abertamente, e não tem que haver um entrave como existe por parte da sociedade. E o que ajuda nisso tudo é eu poder escrever sobre isso com essas pessoas ao meu redor - Leonor Andrade
Tal como acontecia nas décadas de 80/90, a banda pretende recuperar alguns dos hábitos associados ao consumo de música à época, e convida a uma audição completa. A ideia aqui é ter tempo para sentar no sofá e ouvir o disco. Aliás, ouvir o disco sentado no sofá é um desafio já que a pegada da banda é colocar mesmo todo mundo para dançar. Morando na Margem Sul de Lisboa, do outro lado do rio, já estão contando os dias para as gigs nos clubes.
O disco reflete essa energia de concertos em clubes de pequena dimensão. Está desenhado para fazer esse circuito. Nossa ideia é fazer uma turnê de norte a sul do país, especialmente nesses ambientes mais viris que permitem essa proximidade com a banda - João Nobre
O frescor do Lefty é resultado das diferentes experiências que cada integrante traz ao grupo. João Nobre tem longa história na música, tendo fundado com o irmão os Da Weasel, banda de hip hop portuguesa formada em 1993 e que revolucionou a cena musical na época (ouça aqui). Depois, com Pedro Quaresma, também ex-integrante do grupo, formou um duo de música eletrônica chamado Teratron.
Banazol, músico nascido em Luanda, Angola, tem vários trabalhos entre produções solo e parceria, transitando por diferentes estilos. Daniel Meliço também tem passagem por outras bandas como a Bicho do Mato, que une música tradicional, o rock, o folk e a World Music. Lançaram o disco Vingança em 2016. Todas as faixas têm nomes de bichos, comparando, ironicamente, momentos em que a nossa realidade parece a selva.
Já Leonor é conhecida do público português por ter participado do The Voice em 2014. Em 2015, venceu o Festival RTP da Canção e representou Portugal no Festival Eurovisão no mesmo ano, em Viena, na Áustria. Após o sucesso, seguiu cantando e criou o alterego, Ella Nor para lançar seus trabalhos. Agora, se apresenta com seu nome verdadeiro por, “finalmente, sentir-se em casa”.
Durante muito tempo tive a procura daquilo que fazia sentido pra mim infinitamente. Alguns artistas têm a sorte de se encontrarem mais rápido, outros nem tanto. Tenho um alter ego, mas com o Lefty fez mesmo sentido usar meu nome próprio primeiro porque finalmente me sinto em casa e não tenho segundas dúvidas sobre nada, como sempre tive - Leonor Andrade
Os Lefty se encontraram por acaso, mas dizem que o projeto veio para ficar. Andrómeda parece ser só o primeiro capítulo.
Discografia
Andrómeda (2021)